Recebi do caricaturista Camilo Riani mensagem pela qual o artista posiciona claramente sua opinião sobre a história do afastamento da competente Zetti de suas atividades frente ao Salão Internacional de Humor de Piracicaba.
Eu já havia decidido dar por encerrado o assunto por aqui, já que a prefeitura da cidade preferiu ignorar todos os manifestos enviados, mas me vi obrigado a voltar ao tema após esta mensagem.
O e-mail do Riani diz o seguinte:
Caros colegas de traço:
Alguns momentos exigem uma pitada de reflexão, regada a uma boa dose de observação e muita sinceridade. Ultimamente, o nome de um dos maiores espaços do humor gráfico mundial tem surgido em inúmeras manifestações: o Salão Internacional de Piracicaba.
Divergências sobre a forma e a condução de mudanças internas no Centro Nacional de Documentação, Pesquisa e Divulgação do Humor (como a do cargo/função da Zetti para outro setor da secretaria de Ação Cultural) geraram diversas discussões. Cada parte defendendo seus motivos e visões, fato esperado em um cenário que envolva tanta história, bastidores e emoção. Entre traços e pinceladas sutis (talvez nem tanto), uma questão acabou pairando no ar: a classe dos cartunistas deveria, nesse contexto, dar as costas e esvaziar o Salão?
A resposta surge de outra interrogação: a quem se pretende atingir? Se a ideia for o próprio projeto do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, então o caminho está definido: que se vá em frente e que rolem as pedras! Como não faz muito sentido acreditar que este seja o real objetivo de profissionais do segmento artístico e cultural, só nos resta olhar com serenidade para certas questões fundamentais.
Primeiramente, todo e qualquer artista tem o direto de agir de acordo com sua convicção pessoal, suas ponderações e responsabilidade por suas escolhas. Diferente disso é imaginar o enfraquecimento do Salão de Piracicaba a partir de uma onda coletiva, em um país com histórica fragilidade de políticas públicas para a cultura e evidente escassez de espaços para grandes e novos talentos. Como imaginar na berlinda um dos raros projetos culturais brasileiros com tal reconhecimento, como se o Salão fosse uma espécie de conquista vitalícia, sem necessidade de atenção constante e fortalecimento contínuo por parte dos cartunistas, sociedade e entidades? Como admitir que se instale um desnecessário clima de desconforto (ou até mesmo desconfiança) entre os próprios artistas, colegas, como se a participação fosse algo questionável?
É preciso reafirmar que o Salão não é propriedade deste ou daquele governante/administrador público, nem deste ou daquele cartunista, entidade, cidadão, funcionário, apoiador ou quem quer que seja. Pelo simples fato do projeto ser exatamente a SOMA de TODAS estas dimensões, em quase quarenta anos de luta e história. Gente que se arriscou (de verdade!) no início, gerações de colaboradores e voluntários, idealizadores, artistas, parceiros, administradores públicos, funcionários dos mais diferentes setores, vereadores e, sem dúvida, a própria população de Piracicaba, que banca os investimentos necessários para a viabilidade desse raro espaço de arte mundial em terras tupiniquins. Queiramos ou não, temos, todos, responsabilidade direta pelo futuro desta conquista!
Independente da postura inicial de cada um de nós (qualquer que tenha sido), a defesa pública do Salão Internacional de Humor de Piracicaba se faz necessária, de modo claro e sereno. Alguns colegas poderão concordar, outros discordar e alguns até bradar, de dedo em riste, indignados com tais percepções.
Que continuem as negociações, discussões e encaminhamentos, mas que não se confunda a natureza e a dimensão de cada componente desse universo. Que se promova a reflexão para uma participação cada vez mais madura dos profissionais do humor gráfico nos rumos do segmento cultural e artístico do país, ampliando debates, publicações, parcerias e tantos outros importantes avanços desejados. Que possamos, a cada edição do Salão (inclusive nesta), reencontrar colegas, discutir e concretizar idéias, ampliar intercâmbios e aprender com cada erro, cada acerto. Afinal de contas, ninguém é de ferro (e quem quer ser pode acabar se enferrujando).
Vida longa à cultura, à arte e ao Humor Gráfico brasileiro.
Vida longa ao Salão Internacional de Humor de Piracicaba.
Camilo Riani
Para encerrar o assunto...
A questão da Zetti não é puramente um fato pontual que atinge uma funcionária municipal que foi remanejada de um cargo para outro, ou de um setor para outro, mas de alguém que por anos foi uma farpa no polegar do político profissional, de alguém que foi a trave no olho do interesse partidário, de alguém que foi a pedra no sapato do carreirista e de alguém que sempre privilegiou o interesse de quem realmente faz o salão de humor acontecer, que é o cartunista brasileiro.
Se posicionar contra ou a favor dos motivos defendidos por quem afastou a Zetti do salão de humor não se trata apenas de “lutar” pela permanência do salão, mas de se posicionar contra a politicagem que atinge a todos nós cartunistas e eleitores num caso como esse.
Infelizmente alguns colegas não entenderam o manifesto assinado por dezenas de profissionais do humor gráfico, enquanto outros preferiram tirar proveito da situação e garantir espaço na onda de ser “do contra”.
Não estamos lidando com amadores. E enquanto os cartunistas ficam trocando farpas se devem ou não apoiar a “nova gestão” do Salão de Piracicaba, os políticos, aí sejam eles esquerdistas, direitistas, petistas, peemedebistas, pedetistas ou putaqueparistas, esperam o melhor momento para se candidatarem a cargos maiores que possam enriquecer seus currículos e, obviamente, suas contas bancárias. E não se iludam caros cartunistas, se uma certa secretária de cultura surgir como candidata à prefeitura de Piracicaba trazendo em seu histórico as “belas realizações” no famoso salão de humor (aí, quem sabe, alguns de nossos coleguinhas vão entender melhor os reais motivos do afastamento da Zetti).
A frase “Vida longa ao Salão de Internacional de Humor de Piracicaba”, defendida por alguns de nossos colegas, deveria vir acompanhada também da palavra “ética”, muito em falta naquela que é a mais desprezível classe que habita nosso país e que cuja sede principal fica em Brasília.
Pobres de nós cartunistas que brigam entre si para defender o indefensável e que dão demonstrações de total incapacidade na hora de organizar um evento semelhante sem a gerência dos politiqueiros.
Eu continuo com o mesmo pensamento de meses atrás quando escrevi um artigo no site Brazil Cartoon assim que a Zetti foi afastada. O Humor Gráfico Nacional, o Desenho Brasileiro, as Histórias em Quadrinhos Tupiniquins e nossa Ilustração Editorial seriam amarras de um mercado um pouquinho menos difícil se existisse um Herman Lima, um Moacy Cirne e um Álvaro de Moya em cada região do Brasil, se em cada Estado Nacional atuasse um Jorge de Salles e um Edra, se em cada Capital de nosso País tivéssemos um Jal ou um Gualberto, se nas redações de nossos jornais e revistas tivéssemos um Cláudio Abramo, um Francisco Acquarone, um Ruben Gill e um Álvarus; se em cada espaço virtual da internet tivéssemos um Márcio Leite, e se em cada secretaria municipal de cultura tivéssemos uma Zetti. E ponto final!
quinta-feira, 15 de julho de 2010
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Um comentário:
Olá, Zé Roberto!
Não nos conhecemos pessoalmente, mas imagino que haja muito mais coisas em comum entre nossas visões (e de demais colegas) do que alguns textos expressam. Li suas ponderações (no blog) e as respeito, mesmo que veja algumas diferenças.
Uma de minhas preocupações tem sido, exatamente, a possibilidade de um crescente (e desnecessário) embate entre nós artistas, quando o foco vem de outros pontos.
É importante enfatizar que a defesa pública do Salão de Pira não tem absolutamente nenhuma relação com defesa deste ou daquele político, administrador, ou quem quer que seja! (pessoalmente, mal os conheço para fazer qualquer ponderação nesse sentido). Também jamais fiz (ou faria) qualquer acusação à Zetti. Até por não ter nenhum motivo! Me parece que isto fica bastante claro na manifestação (que encaminhei).
Concordo com você sobre a necessidade de muito mais ética e profissionalismo nos caminhos da cultura em nosso país. Isto não impede que questionemos 'estratégias' de manifestação ou reivindicação. Pessoalmente, não vejo o boicote ao Salão como caminho adequado. Mas esta é a minha opinião, e cada colega deve formar a sua.
De minha parte, espero que o momento seja de ponderação da parte de todos nós, em busca do melhor caminho.
Caso queira postar essa minha conclusão no mesmo padrão/espaço em que foi colocada a análise do texto, fique à vontade. Obrigado!
Um abraço,
Camilo Riani
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