terça-feira, 21 de maio de 2013

Márcia d'Haese na exposição em homenagem à Leila Diniz


Todos nós, religiosos ou não, crentes ou ateus, possivelmente já tivemos em mãos, pelo menos uma vez na vida, algum material gráfico com desenhos assinados por Márcia d'Haese. Nos anos 1980 fizeram enorme sucesso os cartões com mensagens positivas do Smilinguido, personagem representado por uma formiguinha preta direcionado incialmente ao público evangélico, mas que, devido à forma democrática de suas mensagens, era consumido por seguidores de outras religiões, entre eles católicos e até espíritas.
O tempo passou, a artista perdeu o personagem para uma editora evangélica (num lamentável golpe nada cristão que eu prefiro não comentar) e passou a desenvolver uma nova leva de personagens infantis com a mesma qualidade.
Desde o ano passado venho trabalhando no projeto “Ela por elas – Leila Diniz nos traços das desenhistas brasileiras”, conforme o título sugere, trata-se de uma exposição coletiva somente com mulheres artistas. Evento criado para comemorar os dois anos de existência da belíssima Sala de Cultura Leila Diniz, espaço que é administrado competentemente pela Imprensa Oficial do Rio de Janeiro.
Quando comecei esboçar mais ou menos o que seria o evento, fiz uma lista para selecionar os nomes das artistas e resolvi adicionar Márcia d'Haese, mesmo sabendo que a atuação da artista é direcionada ao chamado mercado editorial evangélico, coisa que nada tem a ver com o tema “Leila Diniz”. Mas como eu considero que qualquer desenhista de talento pode arriscar e mergulhar em outras águas... resolvi convidar esta notável desenhista. Trocamos algumas mensagens via e-mail, até que a artista resolveu aceitar meu convite.
Como eu já esperava, Márcia d'Haese desenvolveu um interessante desenho mostrando que seu lado artístico é tão interessante quanto o que representa sua fé. Além do desenho, Márcia nos enviou também um interessante texto comentando sobre a concepção de seu ótimo trabalho.
Num momento em que nossa sociedade vive um lamentável entrave com demonstrações de intolerância religiosa e atitudes radicais que em nada nos lembram os ensinamentos de Jesus Cristo, Márcia d’Haese nos deixa um exemplo de que ainda podemos ter esperança de dias melhores e de convivência pacífica entre as diferenças.
A seguir, o texto de Márcia d’Haese:

Quando Leila Diniz se foi deste mundo, eu tinha 15 anos, na época, eu estava envolvida com o colégio, com música e com atividades na igreja. Acho que hoje sei mais do que sabia sobre ela nos anos na década de 60 e inicio da de 70.
Assisti alguns capítulos de novelas em que ela atuou, também vi fotos e reportagens em jornais e revistas. Achava a Leila muito bonita e um tanto ousada, mas não me detive na sua personalidade e nem no que ela representou ao mundo feminino da época. Agora aqui estou, como mulher, participando de uma exposição feminina onde Leila é o tema. Fui procurar detalhes na internet, em programas de TV, em entrevistas. Entendo a razão de ela ter se tornado um mito. A gente vivia numa época cheia de repressão e a Leila Diniz conseguiu se desvencilhar disso, a sua maneira tão peculiar, corajosa e espontânea.
Desde que me entendo por gente, penso na existência daquilo que não se vê concretamente. As coisas espirituais me atraíram desde muito cedo. Meu pé no chão, mas minha alma olhava pra cima. Imagino que algum dia, como a maioria das pessoas, a Leila tenha pensado em Deus. A mídia informa que ela se desligou das coisas místicas, espirituais e moralistas. Quem poderá saber qual o pensamento que ela teria sobre Deus, se tivesse tido a oportunidade de viver até os nossos dias?
O desejo imenso de ser aceito e livre para se expressar com todas as características físicas, psicológicas, emocionais, é um forte desejo do ser humano, especialmente das mulheres de uma cultura machista e autoritária. Esse ideal parece ter sido o ingrediente básico da coragem e da ousadia, e também da alegria na maternidade que a Leila teve. Ainda assim, eu entendo que Cristo honrou as mulheres, ao contrário dos costumes da época. Ele as tem honrado até hoje. Nós, mulheres, também podemos honrar o que Ele deseja para nossa vida, na essência do nosso ser, fazer, buscar, sejam quais forem os tempos antigos ou modernos em que vivemos. Em todas as sociedades, tem-se uma escolha: olhar pra cima, olhar pra si, ou não olhar. Leila Diniz dirigiu o seu olhar, mostrou corajosamente seu pensamento, e deixou um legado.
Neste desenho eu incluí dois dos meus personagens: o vaga-lume, criativo, alegre, bem humorado (Spot), e o pernilongo, crítico, intolerante, zangado (Buzz). Faz parte do trabalho que desenvolvo na editora, onde produzimos as imagens e mensagens que são distribuídas pra geração jovem. Esses personagens são ícones de aspectos diferentes da nossa maneira de ver a vida. Exemplificam nossas escolhas. Escolhemos e decidimos tudo na vida, buscando liberdade, identidade, satisfação.
E se nossa mente e coração se surpreendessem com algo novo, no momento crucial das nossas vidas? Uma descoberta, uma revelação do amor incondicional de Deus que se fez ser humano? Há uma alegria dentro de mim, em pensar nessa possibilidade. E se a Leila, eu, e muitas de nós, escolhendo olhar pra cima, nos encontrarmos em outra dimensão? Se sim, certamente estaremos lá, mais conectadas do que estivemos aqui.  
Márcia d'Haese

quinta-feira, 16 de maio de 2013

É... eu sou mesmo um chato

O texto que apresento logo abaixo foi publicado no Jornal de Letras, nº 158.
Geralmente costumo exibir esses textos acompanhados das páginas digitalizadas para ilustrar melhor a postagem. Acontece, que descobri que não possuo a citada edição. Portanto, por enquanto, fiquem somente com o texto, que é o que realmente interessa.
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Como costuma dizer o Adelzon...
Desde que eu me conheço por gente carrego comigo um radinho de pilhas. Desde menino herdei de meu avô paterno o hábito de ouvir rádio, especialmente as AMs.
No Rio de Janeiro, sempre que a insônia ou a necessidade me obriga a ficar acordado, eu acompanho o radialista Adelzon Alves, conhecido como o “Amigo da Madrugada”. Adelzon atuou por muitos anos na Rádio Globo, depois, transferiu-se para a Rádio Nacional, onde está até hoje. Entre as muitas frases que Adelzon costuma usar para defender suas idéias sobre a cultura brasileira, a que mais me agrada é a que nosso país sofre daquilo que ele chama de “síndrome de vira-lata”, que significa dizer que nosso país elege o que vem de fora como o melhor, o ideal, o the best (olha eu aí não deixando o Adelzon mentir).
Em 2010, durante a realização da Rio Comicon, feira de quadrinhos que aconteceu na Estação Leopoldina, eu estava num ônibus a caminho do Centro da Cidade. Sentados a minha frente dois jovens conversavam animadamente enquanto davam demonstrações de ansiedade, doidos para chegar a tal feira e perseguir seus ídolos a busca de autógrafos. Um deles abriu o cartaz do evento e passou a fazer comentários elogiosos ao autor do desenho que ilustrava o impresso, no caso Milo Manara, desenhista e ilustrador italiano que foi a atração naquele evento. O cartaz apresentava uma bela e sensual morena de roupas curtíssimas, com braços abertos sobre a Guanabara, numa clara alusão ao Cristo Redentor, nosso mais popular monumento. “Só mesmo um gênio como Manara poderia ter tido uma idéia dessas!”, disse o rapaz que segurava o cartaz. Eu ouvi a bobagem e fiquei na minha, com a língua coçando doido para informar a dupla que gênio por gênio, um brasileiro chegou primeiro, pelo menos 27 anos antes.
Acontece que em 1984, quando do centenário do caricaturista J. Carlos, o saudoso Jorge de Salles organizou uma das mais interessantes exposições de humor gráfico já exibidas no Rio de Janeiro. Salles reuniu um timaço de caricaturistas para desenhar em homenagem a J. Carlos, e o que se viu foram 20 desenhos assinados por artistas do quilate de Alvarus, Borjalo, Caulos, Chico Caruso, Fortuna, Jaguar, Juarez Machado, Lan, Mendez, Miguel Paiva, Nássara, Paulo Caruso, Zélio, Ziraldo e Millôr Fernandes. Este último trouxe para seu desenho a famosa figura da melindrosa, muitas vezes presente na obra de J. Carlos, e colocou-a de braços abertos no lugar do Cristo Redentor adornada pela imagem do Pão de Açúcar. A idéia do genial Millôr foi justamente mostrar que a obra de J. Carlos e sua consagrada melindrosa trazem a marca de um Rio de Janeiro inesquecível, “de uma época amável”, conforme afirmou o próprio Millôr ao apresentar seu desenho.
A obra de Milo Manara é, obviamente, fantástica e indiscutível, mas a mania que nossos eventos internacionais têm de supervalorizarem os artistas que vem de fora, provoca esse tipo de situação. A ignorância dos dois jovens tecendo elogios rasgados ao desenhista italiano, como se a ótima ideia fosse novidade é plenamente compreensível, mas me irritam bastante a indiferença e desconhecimento dos organizadores ao “esquecerem” que a tal idéia genial era velha e requentada. Mas é aquilo, mesmo que algum dos organizadores lembrasse do desenho do Millôr será que iria dizer ao Manara que aquilo não era novo? Talvez tenham apostado na amnésica memória da nossa cultura e pagado pra ver. Afinal, quem se lembraria do desenho do Millôr numa feira de quadrinhos? Só mesmo um chato como eu.