Todos nós, religiosos ou não, crentes ou ateus, possivelmente
já tivemos em mãos, pelo menos uma vez na vida, algum material gráfico com
desenhos assinados por Márcia d'Haese. Nos anos 1980 fizeram enorme sucesso os
cartões com mensagens positivas do Smilinguido, personagem representado por uma
formiguinha preta direcionado incialmente ao público evangélico, mas que,
devido à forma democrática de suas mensagens, era consumido por seguidores de
outras religiões, entre eles católicos e até espíritas.
O tempo passou, a artista perdeu o personagem para uma
editora evangélica (num lamentável golpe nada cristão que eu prefiro não
comentar) e passou a desenvolver uma nova leva de personagens infantis com a
mesma qualidade.
Desde o ano passado venho trabalhando no projeto “Ela
por elas – Leila Diniz nos traços das desenhistas brasileiras”, conforme o
título sugere, trata-se de uma exposição coletiva somente com mulheres
artistas. Evento criado para comemorar os dois anos de existência da belíssima
Sala de Cultura Leila Diniz, espaço que é administrado competentemente pela
Imprensa Oficial do Rio de Janeiro.
Quando comecei esboçar mais ou menos o que seria o
evento, fiz uma lista para selecionar os nomes das artistas e resolvi adicionar
Márcia d'Haese, mesmo sabendo que a atuação da artista é direcionada ao chamado
mercado editorial evangélico, coisa que nada tem a ver com o tema “Leila Diniz”.
Mas como eu considero que qualquer desenhista de talento pode arriscar e
mergulhar em outras águas... resolvi convidar esta notável desenhista. Trocamos
algumas mensagens via e-mail, até que a artista resolveu aceitar meu convite.
Como eu já esperava, Márcia d'Haese desenvolveu um
interessante desenho mostrando que seu lado artístico é tão interessante quanto
o que representa sua fé. Além do desenho, Márcia nos enviou também um
interessante texto comentando sobre a concepção de seu ótimo trabalho.
Num momento em que nossa sociedade vive um lamentável
entrave com demonstrações de intolerância religiosa e atitudes radicais que em
nada nos lembram os ensinamentos de Jesus Cristo, Márcia d’Haese nos deixa um
exemplo de que ainda podemos ter esperança de dias melhores e de convivência
pacífica entre as diferenças.
A seguir, o texto de Márcia d’Haese:
Quando Leila Diniz se foi deste mundo,
eu tinha 15 anos, na época, eu estava envolvida com o colégio, com música e com
atividades na igreja. Acho que hoje sei mais do que sabia sobre ela nos anos na
década de 60 e inicio da de 70.
Assisti alguns capítulos de novelas em
que ela atuou, também vi fotos e reportagens em jornais e revistas. Achava a
Leila muito bonita e um tanto ousada, mas não me detive na sua personalidade e
nem no que ela representou ao mundo feminino da época. Agora aqui estou, como
mulher, participando de uma exposição feminina onde Leila é o tema. Fui
procurar detalhes na internet, em programas de TV, em entrevistas. Entendo a
razão de ela ter
se tornado um mito. A gente vivia numa época cheia de repressão e a Leila Diniz
conseguiu se desvencilhar disso, a sua maneira tão peculiar, corajosa e
espontânea.
Desde que me entendo por gente, penso na
existência daquilo que não se vê concretamente. As coisas espirituais me
atraíram desde muito cedo. Meu pé no chão, mas minha alma olhava pra cima.
Imagino que algum dia, como a maioria das pessoas, a Leila tenha pensado em
Deus. A mídia informa que ela se desligou das coisas místicas, espirituais e
moralistas. Quem poderá saber qual o pensamento que ela teria sobre Deus, se
tivesse tido a oportunidade de viver até os nossos dias?
O desejo imenso de ser aceito e livre
para se expressar com todas as características físicas, psicológicas, emocionais,
é um forte desejo do ser humano, especialmente das mulheres de uma cultura
machista e autoritária. Esse ideal parece ter sido o ingrediente básico da
coragem e da ousadia, e também da alegria na maternidade que a Leila teve.
Ainda assim, eu entendo que Cristo honrou as mulheres, ao contrário dos
costumes da época. Ele as tem honrado até hoje. Nós, mulheres, também podemos
honrar o que Ele deseja para nossa vida, na essência do nosso ser, fazer,
buscar, sejam quais forem os tempos antigos ou modernos em que vivemos. Em
todas as sociedades, tem-se uma escolha: olhar pra cima, olhar pra si, ou não
olhar. Leila Diniz dirigiu o seu olhar, mostrou corajosamente seu pensamento, e
deixou um legado.
Neste desenho eu incluí dois dos meus
personagens: o vaga-lume, criativo, alegre, bem humorado (Spot), e o
pernilongo, crítico, intolerante, zangado (Buzz). Faz parte do trabalho que
desenvolvo na editora, onde produzimos as imagens e mensagens que são
distribuídas pra geração jovem. Esses personagens são ícones de aspectos
diferentes da nossa maneira de ver a vida. Exemplificam nossas escolhas.
Escolhemos e decidimos tudo na vida, buscando liberdade, identidade,
satisfação.
E se nossa mente e coração se surpreendessem com algo
novo, no momento crucial das nossas vidas? Uma descoberta, uma revelação do
amor incondicional de Deus que se fez ser humano? Há uma alegria dentro de mim,
em pensar nessa possibilidade. E se a Leila, eu, e muitas de nós, escolhendo
olhar pra cima, nos encontrarmos em outra dimensão? Se sim, certamente
estaremos lá, mais conectadas do que estivemos aqui.
Márcia d'Haese
Márcia d'Haese
Um comentário:
Zé, obrigada por este post aqui no seu blog. Pra mim foi uma honra seu convite pra participar, e vou estar comunicando meus amigos do Rio visitarem a exposição. Ela fica até quando?
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