O texto que apresento logo abaixo foi publicado no Jornal de Letras, nº 158.
Geralmente costumo exibir esses textos acompanhados das páginas digitalizadas para ilustrar melhor a postagem. Acontece, que descobri que não possuo a citada edição. Portanto, por enquanto, fiquem somente com o texto, que é o que realmente interessa.
_________________________________________________
Como costuma dizer o Adelzon...
Desde que eu me conheço por gente
carrego comigo um radinho de pilhas. Desde menino herdei de meu avô paterno o
hábito de ouvir rádio, especialmente as AMs.
No Rio de Janeiro, sempre que a
insônia ou a necessidade me obriga a ficar acordado, eu acompanho o radialista
Adelzon Alves, conhecido como o “Amigo da Madrugada”. Adelzon atuou por muitos
anos na Rádio Globo, depois, transferiu-se para a Rádio Nacional, onde está até
hoje. Entre as muitas frases que Adelzon costuma usar para defender suas idéias
sobre a cultura brasileira, a que mais me agrada é a que nosso país sofre
daquilo que ele chama de “síndrome de vira-lata”, que significa dizer que nosso
país elege o que vem de fora como o melhor, o ideal, o the best (olha eu aí não deixando o Adelzon mentir).
Em 2010, durante a realização da
Rio Comicon, feira de quadrinhos que aconteceu na Estação Leopoldina, eu estava
num ônibus a caminho do Centro da Cidade. Sentados a minha frente dois jovens
conversavam animadamente enquanto davam demonstrações de ansiedade, doidos para
chegar a tal feira e perseguir seus ídolos a busca de autógrafos. Um deles
abriu o cartaz do evento e passou a fazer comentários elogiosos ao autor do
desenho que ilustrava o impresso, no caso Milo Manara, desenhista e ilustrador
italiano que foi a atração naquele evento. O cartaz apresentava uma
bela e sensual morena de roupas curtíssimas, com braços abertos sobre a
Guanabara, numa clara alusão ao Cristo Redentor, nosso mais popular monumento.
“Só mesmo um gênio como Manara poderia ter tido uma idéia dessas!”, disse o
rapaz que segurava o cartaz. Eu ouvi a bobagem e fiquei na minha, com a língua
coçando doido para informar a dupla que gênio por gênio, um brasileiro chegou
primeiro, pelo menos 27 anos antes.
Acontece que em 1984, quando do
centenário do caricaturista J. Carlos, o saudoso Jorge de Salles organizou uma
das mais interessantes exposições de humor gráfico já exibidas no Rio de
Janeiro. Salles reuniu um timaço de caricaturistas para desenhar em homenagem a
J. Carlos, e o que se viu foram 20 desenhos assinados por artistas do quilate
de Alvarus, Borjalo, Caulos, Chico Caruso, Fortuna, Jaguar, Juarez Machado,
Lan, Mendez, Miguel Paiva, Nássara, Paulo Caruso, Zélio, Ziraldo e Millôr
Fernandes. Este último trouxe para seu desenho a famosa figura da melindrosa,
muitas vezes presente na obra de J. Carlos, e colocou-a de braços abertos no
lugar do Cristo Redentor adornada pela imagem do Pão de Açúcar. A idéia do
genial Millôr foi justamente mostrar que a obra de J. Carlos e sua consagrada
melindrosa trazem a marca de um Rio de Janeiro inesquecível, “de uma época
amável”, conforme afirmou o próprio Millôr ao apresentar seu desenho.
A obra de Milo Manara é,
obviamente, fantástica e indiscutível, mas a mania que nossos eventos
internacionais têm de supervalorizarem os artistas que vem de fora, provoca
esse tipo de situação. A ignorância dos dois jovens tecendo elogios rasgados ao
desenhista italiano, como se a ótima ideia fosse novidade é plenamente compreensível,
mas me irritam bastante a indiferença e desconhecimento dos organizadores ao
“esquecerem” que a tal idéia genial era velha e requentada. Mas é aquilo, mesmo
que algum dos organizadores lembrasse do desenho do Millôr será que iria dizer
ao Manara que aquilo não era novo? Talvez tenham apostado na amnésica memória
da nossa cultura e pagado pra ver. Afinal, quem se lembraria do desenho do
Millôr numa feira de quadrinhos? Só mesmo um chato como eu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário